Para acabar com a bagunça centenária dos clubes brasileiros, o dinheiro tem que ter dono

Cruzeiro v Atletico MG - Brasileirao Series A 2019
Cruzeiro v Atletico MG - Brasileirao Series A 2019 / Pedro Vilela/Getty Images
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Falar que o futebol brasileiro vive uma eterna desorganização é chover no molhado. Ou melhor, no encharcado, de tanto que já se discutiu esse assunto nas mesas redondas por aí afora. Mas pouco se toca numa ferida - arcaica - que é a natureza dos clubes.

Muitos deles fundados há mais de 100 anos, com viés sem fins lucrativos, até hoje surfam numa onda em que o poder político se sobressai ao profissionalismo propriamente dito. Pequenos feudos de sócios privilegiados detêm a chance de concorrer aos cargos diretivos mediante regras que na maioria das vezes são feitas para que o controle sobre muitos fique na mão de poucos. E é aí que mora o perigo: os grandes clubes de futebol do mundo hoje são grandes empresas, de milionários (ou até bilionários) orçamentos. Empresas de mídia e entretenimento.

West Bromwich Albion v Everton - Premier League
West Bromwich Albion v Everton - Premier League / Lynne Cameron/Getty Images

Estamos vendo exemplos claros de como a própria torcida tem um distanciamento da maioria de seus dirigentes. O Galo querendo trazer Thiago Neves, o Fluminense dando um tempo contratual peculiar a Danilo Barcelos, os protestos corinthianos e são-paulinos e até mesmo a discussão em torno da volta de Robinho ao Santos. Isso sem falar no Cruzeiro, né, porque nem precisa lembrar o que aconteceu com o clube diante de tanta irresponsabilidade de gestão. E sempre que algo assim acontece tem alguém para rebater dizendo que é fruto de algum adversário político. Até quando essa desculpa vai durar? Até quando essa mentalidade vai se sobressair à autocrítica, às mãos à obra e aos estudos para profundas mudanças?

No Brasil, tal qual na Europa, a quantidade massiva de dinheiro também existe na elite, mas a mentalidade empresarial é praticamente um nada. Como se movimenta tanto dinheiro sem que haja um dono? Como gerir com responsabilidade as finanças se daqui a dois anos você não vai ser mais o presidente? São muitas perguntas que só escancaram a estrutura arcaica de pensar que temos por aqui. Afinal de contas, se doer no seu bolso diretamente, será que você vai trazer algum reforço de cunho duvidoso com contrato de cinco anos? Você compraria um carro parcelado por cinco anos sem saber se ele vai de fato funcionar por esse período? Pois é.

2020 Brasileirao Series A:  Fluminense v Coritiba Play Behind Closed Doors Amidst the Coronavirus
2020 Brasileirao Series A: Fluminense v Coritiba Play Behind Closed Doors Amidst the Coronavirus / Bruna Prado/Getty Images

Ao final, é bom que se diga também que o assunto não se muda com uma canetada ou uma lei de um dia para o outro. Emplacar a regulamentação de "clubes-empresas" no Congresso não é a solução imediata para os problemas. É só um dos passos, de vários que existem. O mais importante deles talvez seja interno: entender que - querendo ou não - clubes de futebol hoje são empresas, que geram engajamento, receita e exploram paixões. Mas que, num mundo cada vez mais repleto de entretenimento a um botão de distância, precisam enxergar que a concorrência vai aumentando de geração em geração. E é necessário acompanhar o progresso para que não vire mera nostalgia.