Obcecada por lucros, diretoria do Flamengo negligencia recorte humano/social do futebol
Por Nathália Almeida
Brilhante na bola, gélida no aspecto humano e social. Esse é o retrato fiel da atual alta cúpula do Flamengo, que já marcou seu nome na história do clube pelos feitos administrativos e esportivos - o time da Gávea foi o primeiro do país a conquistar Libertadores e Campeonato Brasileiro em uma mesma temporada (2019) -, mas que também tem tudo para ser lembrada como a mais afastada daquilo que sempre foi e sempre será o maior patrimônio de um clube de futebol: o seu povo.
Em seu projeto de construir um Flamengo soberano, dominante e autossustentável nas finanças, a gestão de Landim praticamente não comete erros mas, em paralelo, passa por cima de muitas coisas importantes pelo 'bem do processo'. Para monetizar ao máximo as bilheterias e o sócio-torcedor, afastou as camadas mais populares das arquibancadas: para o torcedor mais humilde, acompanhar seu clube do coração in loco ficou definitivamente no passado. E consumi-lo pela televisão tende a ficar cada vez mais difícil, também.
Estamos falando de 40 milhões de pessoas, então, qualquer sentença que responda pelo torcedor rubro-negro é perigosa: são muitos, são plurais, são divergentes. Nas redes sociais, no entanto, as manifestações de apoio à ruptura com o monopólio da Rede Globo foram massivas, o que passa uma impressão de que a maioria da Nação apoia a decisão do clube em se desvencilhar dos termos que a maior emissora do país impõe quando o assunto é direito de transmissão. Mas o que veio imediatamente depois da ruptura e nova liberdade ao Rubro-Negro em negociar individualmente seus jogos? Mais uma imposição de monetização do acesso, do consumo: torcedores que não são sócios do clube precisarão pagar 10 reais se quiserem assistir a semifinal da Taça Rio entre Flamengo e Volta Redonda, que será transmitida em uma plataforma de streaming online.
No momento em que o país bate recordes de desemprego e vive uma situação de extrema dor em virtude da pandemia de coronavírus, o retorno do futebol foi defendido por inúmeros cartolas brasileiros - incluindo dirigentes rubro-negros -, por se tratar de uma possibilidade de alento e entretenimento seguro. Mas esse discurso bonito cai por terra no exato instante em que o clube de maior torcida do país, ao invés de democratizar o futebol, busca uma alternativa para capitalizar cada vez mais com ele. Custe o que custar.
Obcecada pelos lucros e totalmente negligente ao aspecto social inerente ao futebol, a diretoria rubro-negra segue levantando muros, impondo barreiras, elitizando o esporte que, no Brasil, nasceu pelas mãos e pés do povo, para ser do povo. E o Flamengo, de raízes populares em suas origens e historicamente diverso em suas arquibancadas, vai se tornando uma instituição cada vez mais à imagem e semelhança de seus gestores: implacável, fria, impositiva, distante, desumana.