Fernandinho conta ao The Players' Tribune o peso de ser capitão do Manchester City: "Responsável até pelas multas"

Homem de confiança de Pep Guardiola no Man. City, Fernandinho abriu o jogo em texto publicado no The Players' Tribune.
Homem de confiança de Pep Guardiola no Man. City, Fernandinho abriu o jogo em texto publicado no The Players' Tribune. / Sebastian Frej/MB Media/Getty Images
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Há quem questione e critique Pep Guardiola por manter Fernandinho no Manchester City. Ou quem tenha se irritado com Tite e seus antecessores por terem convocado o defensor para a Seleção Brasileira em mais de 50 oportunidades ao longo da última década. Mas o fato é que o camisa 25 conquistou o seu espaço dentro das quatro linhas e que sempre se mostrou preparado para os desafios. Guerreiro, bom de bola e líder, o volante-zagueiro nem sempre é notado no palco, mas tem um papel mais importante do que o imaginado nos bastidores, em especial quando o furacão se aproxima – como se pode notar em texto do próprio Fernandinho publicado no The Players’ Tribune:

"Certa vez um repórter me perguntou: 'Você nunca se cansa de vencer?'. Olha, a resposta é não. Muito pelo contrário. É muito melhor do que perder, né? Cada título tem um sabor especial, e ganhar só te dá mais energia para continuar. Quando você chega nessa mentalidade, quando você está totalmente focado na próxima vitória, é como se… talvez essa analogia soe um pouco estranha… é como estar no meio do furacão, iniciou Fernandinho, antes de explicar:

“Seu senso de percepção é totalmente diferente daqueles do lado de fora, mesmo que você esteja sendo sacudido de um lado para o outro. Você entra na rotina e bloqueia o barulho, o vento, a chuva. Nesse momento, você só precisa vencer e seguir. Vamos! Ok, ganhamos hoje, mas agora nós nos preparamos para o próximo jogo, o desafio seguinte. Não há tempo para reflexões nem para comemorar propriamente”.

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Fernandinho assumiu a braçadeira de capitão do Man. City após a saída de David Silva. / Robbie Jay Barratt - AMA/Getty Images

Capitão do Manchester City, Fernandinho tem 15 anos de Europa e esse longo período o deu uma blindagem especial para enfrentar o furacão. “Acredito que conquistei o direito de fazer essa reflexão, sabe?”, indagou na publicação, revelando em seguida o quanto essa casca foi importante para o City nesta temporada. “Vou te contar o que aconteceu”:

“Não sou um cara de grandes discursos, mas há alguns meses eu não tive outra escolha. Era dia 31 de dezembro, noite de Ano Novo. Estávamos na oitava colocação da Premier League. Tínhamos acabado de treinar. E o Guardiola não estava muito feliz”, iniciou, falando ainda dos impactos da pandemia da Covid-19 no futebol. Não foi um bom treinamento. O comportamento, a linguagem corporal, a dedicação de alguns jogadores. Era óbvio. Você sabe do treino que estou falando, certo? Muitos erros de passes, jogadores não voltando para marcar, sem correr, desinteressados”, pontou.

“Nós não somos assim. Esse não é o time que foi campeão da Premier League duas vezes seguidas e quebrou o recorde de pontos. Após aquele treino, o Pep veio conversar comigo, como capitão e líder do elenco. Ele estava cego. Ele me disse que nem todo mundo estava se entregando 100%. E, nesse time, ou você dá 100% ou fica no vestiário. Uma vez que você está no campo, não tem papo. Ele estava certo. E deixou claro que a responsabilidade por manter esse padrão era minha”, completou.

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Fernandinho é um dos homens de confiança de Guardiola no Manchester City. / Robbie Jay Barratt - AMA/Getty Images

Sem David Silva, que deixou o Manchester City no começo da temporada, Fernandinho herdou a braçadeira de capitão e junto uma infinidade de responsabilidades. “O papel de capitão na Inglaterra é bem diferente do que acontece em outros países, como no Brasil. Tenho ainda mais responsabilidades atualmente. Muitos detalhes relacionados à programação e disciplina, por exemplo. Você não tem ideia! Sou o responsável pelas multas dentro do elenco, como quando alguém usa o celular na fisioterapia. Agora preciso ficar muito atento aos e-mails, cara!”.

Intrigado com o desanimo dos companheiros no City e com a provocação de Pep Guardiola, Fernandinho pensou e resolveu organizar uma reunião de emergência com todo o grupo. “Na manhã seguinte, às 7h do dia 1º de janeiro de 2021, eu mandei uma mensagem para o nosso Gerente de Futebol. ‘Prepare uma reunião com os jogadores. Precisamos conversar’. Cheguei ao CT e falei pra ele. ‘Avise o Pep que o treino começará um pouco mais tarde hoje’. Era uma emergência”, frisa o defensor.

“Com todo mundo reunido, eu falei com o coração para eles. Falei como capitão, né? Disse a eles o que o Pep tinha me dito, que algumas coisas são inaceitáveis. Disse que o que você faz no treino tem reflexo direto no que você vai fazer no jogo. Fui muito honesto. Todo mundo sabia o que eu estava falando, mas precisávamos ouvir outra vez. Precisávamos de um chacoalhão. E foi importante acontecer naquele dia. Embora eu tenha puxado a conversa, todos os outros jogadores também falaram. E concordamos que era preciso algo mais”.

“Nosso próximo jogo era contra o Chelsea, fora de casa, e eles estavam voando. Antes da partida, pensei comigo mesmo. ‘Se esses caras não correrem, estou lascado!’. Eu poderia perder toda a moral com o grupo. Mas, claro, vencemos. E jogando bem. Fomos para o intervalo com 3 a 0. Corremos até demais! Voltamos ao meio do furacão”, finalizou.

A panela de pressão e a Ucrânia

 Shakhtar Donetsk  Fernadinho  Athletico-PR
Fernadinho fechou com o Shakhtar Donetsk quando tinha apenas 20 anos de idade. / AFP/Getty Images

Grande promessa do Athletico Paranaense no começo dos anos 2000, Fernadinho deixou o Brasil com apenas 20 anos para reforçar o Shakhtar Donetsk, da Ucrânia. À época, em 2005, o defensor ainda buscava a estabilidade financeira e pouca conhecia da Europa, o que acabou gerando uma história bastante inusitada:

“Quando eu recebi a proposta do Shakhtar Donetsk para sair do Brasil eu tinha apenas 20 anos. Na época eu não sabia nada sobre futebol europeu. Imagine sobre a Ucrânia... Eu não saberia te dizer qual era a moeda do país. Também não fazia ideia onde o país ficava no mapa. Para mim, a Europa era apenas esse lugar imenso, distante e com vários países diferentes”, iniciou.

“Deixa eu contar um episódio. Uma vez fomos disputar um jogo da Copa Libertadores na Colômbia, e o clube nos pagou diária de US$ 30. Dólares americanos! Isso foi um acontecimento. Meu amigo Alan Bahia e eu estávamos tão empolgados que decidimos escrever os nossos nomes na cama do hotel com as notas. Nunca tínhamos visto tanto dinheiro! Claro, para ele foi bem mais fácil por ter um nome curto, "Alan". No meu caso, eu tive de completar com notas de reais haha!”.

"Quando chegou a proposta do Shakhtar, encarei como uma grande oportunidade para eu me provar como jogador profissional. E claro que também teve o lado financeiro. O Athletico usou o dinheiro da minha venda para reformar o centro de treinamento. E para mim tinha chegado a hora de eu poder escrever todos os nomes da minha família na cama!", emendou.

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Fernandinho ganhou dinheiro em uma panela de pressão quando chegou ao Shakhtar Donetsk. / SERGEI SUPINSKY/Getty Images

“Ao final do meu primeiro mês na Ucrânia, eu ainda não tinha aberto uma conta no banco, e o clube pagava o bicho dos jogos em dinheiro vivo. Era uma pilha enorme de dinheiro. Para um moleque que pensava que US$ 30 era muita grana, aquilo era uma loucura”.

"Eu ainda estava me hospedando em um hotel e não sabia o que fazer com aquilo. Eu mostrei para a minha esposa, aí ela enrolou uma toalha em volta e escondeu dentro da panela de pressão! Ela falou "Aqui ninguém vai achar, porque os ucranianos nem sabem o que é uma panela de pressão!", revelou Fernandinho.

Da inexperiência no Athletico-PR ao papel de líder no Manchester City, Fernandinho encarrou momentos de tristeza e felicidade no futebol, mas nunca correu do olho do furacão. E toda essa coragem o rendeu inúmeras conquistas e uma carreira de muito sucesso no esporte.

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