Caso Eriksen mostra que liberdade de imprensa não pode se confundir com liberdade de desrespeito

Jogadores dinamarqueses cobrem Eriksen enquanto colega era atendido no gramado
Jogadores dinamarqueses cobrem Eriksen enquanto colega era atendido no gramado / Friedemann Vogel - Pool/Getty Images
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A bola tinha rolado na tarde de sábado quando o planeta inteiro entrou em choque por Christian Eriksen. De repente, uma despretensiosa partida entre Dinamarca e Finlândia pela Eurocopa se tornou mais importante que uma final de Copa do Mundo. Muito mais importante. Ver ao vivo - e torcer ao vivo - pela vida de um jogador de futebol praticando seu ofício definitivamente não é muito o que se espera de um momento de entretenimento. De repente, deixou de ser entretenimento. Mas nem todos que trabalharam na cobertura dos acontecimentos conseguiram entender isso.

Denmark v Finland - UEFA Euro 2020: Group B
Torcedores no estádio ficaram incrédulos com o que viram / Stuart Franklin/Getty Images

As imagens do meia da Inter de Milão indo ao chão chocaram imediatamente. As redes sociais entraram em burburinho. Vídeos e tweets aos milhares, replicados, encaminhados, espremidos até a última gota. E desde o início o 90min - em seu âmbito global - decidiu não ir por esta linha (e é só conferir no nosso site e nas nossas redes). Existe um motivo pra isso e a nós parece óbvio.

É lógico que informações naquele momento eram imprescindíveis. Mas há um limite na forma de se transmiti-las. Sempre há. Enquanto não se sabia do real estado de saúde de Eriksen, milhões de pessoas poderiam estar naquele instante vendo em profusão o momento da morte de alguém. Sem parar. Sem pensar.

A linha do limite é tênue, e se chama "bom senso". Vimos canais, como o Sportv, reprisar dezenas de vezes enquanto a transmissão corria solta (com belo improviso da ótima narradora Renata Silveira, diga-se). Outros tantos veículos de credibilidade, como o Estadão, foram na mesma linha compartilhando a cena em suas contas de Twitter. Como se não bastasse, com a situação ainda em dúvida, eis que o mesmo Sportv começa a falar de "caso Serginho", destrinchando os detalhes com Grafite, presente em campo naquela fatídica noite de 2004, fazendo-o reviver um episódio certamente traumático de sua carreira profissional. Para quê? Jornalismo necessário ou busca pelo engajamento sensacionalista?

Outro agente a ser criticado nesta cobertura é a UEFA. Entidade "tão preocupada" com a lisura do jogo, com os valores do correto, do não incentivo a práticas como invasões de campo (imediatamente cortadas da tela quando acontecem), desta vez não pensou muito nisso e resolveu focar sem pudor no atleta que lutava por sua vida em pleno gramado. Um show de horrores do que não deveria ser feito.

Denmark v Finland - UEFA Euro 2020: Group B
Barreira dinamarquesa contra a exposição de Eriksen na batalha pela vida. / Stuart Franklin/Getty Images

A foto dos jogadores dinamarqueses em volta do companheiro é daquelas que vale mais do que mil palavras. Mais do que isso, é uma aula. Um tapa na realidade da era da informação. Em junho, já é uma das principais imagens de 2021. Mas tem gente que não captou sua essência e precisa ver escrito (ou desenhado) que, mesmo na terra do povo acostumado aos "brasis que são urgentes", o jornalismo precisa descer um pouco do intocável Olimpo da liberdade de imprensa. Parar, respirar e refletir se vale tudo. Porque não vale.

É necessário respeitar para ser respeitado. Conceito tão básico quanto esquecido. Melhoremos.